por Marcello Duarte Mathias
No mundo interdependente que é hoje o nosso, constituído por diferentes centros de gravidade, que são outros tantos pólos de identidade e irradiação, as questões culturais têm vindo a assumir relevância crescente e merecido por parte de conhecidas instituições internacionais, como o Conselho da Europa e a UNESCO, uma larga reflexão.
É natural que assim seja. A par do fenómeno da globalização que está longe de se circunscrever, como é sabido, aos movimentos económicos e financeiros, tem-se notado uma reacção tendente à defesa e valorização de tudo aquilo que a progressiva uniformização do mundo ameaça comprometer, diluir ou apagar. Porque a cultura no sentido amplo, nela se incluindo evidentemente a língua, é por igual confronto, definindo-se também pela vontade de hegemonia de alguns que procuram encontrar nesse campo terreno propício à sua influência. É esta uma realidade que não deve ser esquecida ou escamoteada, já que nada no mundo de hoje é seguro ou imutável.
Neste sentido, e para lá de tudo aquilo que compõe o pano de fundo da realidade internacional – as crises institucionais, os novos equilíbrios sociais, a erosão de certos valores ocidentais, o advento de um mundo multipolar prenhe de uma nova correlação de forças em numerosos domínios, a partilha de soberania no quadro da experiência política europeia, a aceleração dos meios de comunicação em termos informativos, para apenas citar alguns dos elementos de maior evidência e actualidade – a Língua Portuguesa, recordada, falada e escrita, ocupa um lugar primacial. E constitui, nestes tempos de mudança, para as oito Nações que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), um factor de continuidade cuja legitimidade é inquestionável. Nela, em última instância, se radica o substrato essencial da nossa comum sensibilidade colectiva, sendo até para alguns o próprio cimento aglutinador da identidade nacional. Porque reflectir sobre a língua é, do mesmo passo, reflectir sobre determinado percurso histórico. Por outro lado, importa ter presente que no plano das relações externas é a língua que melhor confere visibilidade a uma cultura. São partes indissociáveis de um mesmo todo.
Não cabe aqui, no âmbito desta breve introdução, enumerar os vários objectivos (que constam, aliás, dos seus estatutos) e actividades desta nova Associação constituída em Junho de 2008, com a designação de Observatório da Língua Portuguesa – OLP. Importa, sim, sublinhar a ambição deste Observatório e o papel que lhe caberá desempenhar no tocante à promoção da Língua Portuguesa nos seus múltiplos aspectos, quer no contexto da cooperação entre instituições que a ela se dediquem, quer no domínio teórico da reflexão, bem como ainda no plano prático do seu ensino e divulgação. Ambição que se quer conjunta a todos os Estados-Membros da CPLP por força dos desafios que comporta e dos meios de que necessita, tornando indispensável uma política concertada no quadro internacional a favor da presença e protagonismo da Língua Portuguesa. Processo de convergência que é, ao mesmo tempo, processo de diferenciação.
Nesta perspectiva, a dimensão económica, comercial, científica, empresarial, tecnológica, reveste-se de considerável importância e poderá vir a revelar-se, para lá do que já se tem feito neste campo, um factor decisivo no estreitamento das relações entre os nossos oito países. Pode dizer-se, e a experiência tem-no demonstrado amplamente, que uma cooperação bem gerida em determinado sector abre a possibilidade de novos entendimentos a outras parcerias e metas, de que o profícuo relacionamento no plano político e diplomático tem sido um bom exemplo.
Estamos assim diante de um desígnio colectivo que merece ser aprofundado e consolidado por parte de todos aqueles que nele tenham intervenção ou exerçam responsabilidades, quer à escala oficial, quer a nível particular. Daí a relevância estratégica de uma melhor cooperação no quadro multilateral, que o mesmo é dizer ampliar o espaço de manobra a toda uma diversidade de aspectos e acções em que a língua detém posição privilegiada. Porque evocar a Língua Portuguesa é, naturalmente, ter presente os 250 milhões de habitantes que nela se exprimem, sem esquecer o estatuto de que beneficia como língua oficial em instituições internacionais, a exemplo da União Europeia, a União Africana ou o Mercosul.
Moeda de muitas faces, instrumento privilegiado de afirmação, a língua não deve ser considerada isoladamente. É antes parte de um todo na melhor acepção da palavra Cultura, entendida esta como criação e, por isso mesmo, como fonte de riqueza partilhada. Tanto assim que todos aqueles que se exprimem no mesmo idioma usufruem de uma comum identidade. Uma identidade aberta no seu pleno sentido, já que uma língua falada e escrita é, antes de mais, memória e percurso, mas também diálogo e encontro, e, sobretudo, criação permanente, de que o exemplo mais eloquente é a realidade linguística brasileira que, a cada passo, inova e se renova. Vivência colectiva que é um saber em permanente mutação, à semelhança de outras comunidades luso-falantes, nomeadamente em África, capazes também estas de incorporar novos dizeres e falares - interacção em forma de osmose que constitui um dos trunfos do idioma português. Aliás, neste quadro, para lá da contribuição à criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o Brasil merece uma menção honrosa por ter tido a louvável iniciativa de inaugurar em 2006, em São Paulo, o primeiro Museu da Língua Portuguesa, instituição bem expressiva dessa realidade espalhada pelos quatro cantos do mundo, que é ao mesmo tempo traço de união e elemento de comunicação à escala internacional.
Partilhar uma língua viva é multiplicar uma mesma mais-valia que a todos individualmente enriquece, porquanto se insere num processo dinamizador da influência de cada um isoladamente e de todos em conjunto. Síntese e cruzamento de civilizações, o mundo da Língua Portuguesa é, por isso mesmo, a par de um espaço cultural comum, uma comunidade de destino. É um legado que tem valor de coesão, constituindo uma obrigação acrescida para todos aqueles que nela comunicam.
Neste contexto, a sociedade civil, ou, melhor dizendo, as diferentes expressões que a compõem, têm um papel a desempenhar tão ou mais importante do que a acção dos governos.
Paralelamente, importa ter presente as várias áreas em que a promoção da Língua pode e deve ser aprofundada – a título de exemplo, a presença da Língua Portuguesa nos fora internacionais, o reforço da sua divulgação junto das comunidades emigradas ou no combate à iliteracia. Do mesmo modo, impõe-se repensar uma nova politica da Língua, que utilize o audiovisual e as novas tecnologias da comunicação. No tocante à RTP-África, é de toda a conveniência estabelecer uma programação, que corresponda melhor aos interesses e aspirações dos países destinatários.
Os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa devem empenhar-se em mobilizar espíritos e vontades, fazendo valer o que os distingue dos demais e os aproxima uns dos outros sem prejuízo, evidentemente, da idiossincrasia própria a cada um dos países que a integram. Não se trata de nivelar diversidades linguísticas ou outras realidades, mas, sim, de estabelecer e prosseguir objectivos comuns em nome de uma fidelidade que a todos pertence e transcende. Fidelidade que sendo essencialmente raiz, é também um devir que os promove e projecta. O que se ambiciona, como já tem sido dito numa expressão feliz, é a unidade na diversidade. Porque assegurar a diversidade cultural é, de caminho, garantir a diversidade criadora, de que todos somos ao mesmo tempo interlocutores e tributários.
Nunca é demais repeti-lo: a Língua Portuguesa – essência intraduzível do que somos – é passaporte e singularidade, uma maneira de estar e um modo de ser. E uma forma de imaginar. Porque cada língua traz consigo uma saudade diferente e comporta uma diferente apreensão do tempo. Sim, património insubstituível, cada língua é também uma expressão civilizacional. Cabe-nos, a todos nós, alargar-lhe a audiência. Ou dito de outro modo, salvaguardá-la e prestigiá-la.
1 comentario:
and the more languages you speak, the more you seem to belong to the entire world... (els)
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